Revista Anômalas
http://www.revistaanomalas.periodikos.com.br/article/61b9db13a9539507380ff2a6
Revista Anômalas
Artigos Dossiê

Escrita(s) insubmissa(s) da(s) história(s): travessias epistêmicas a partir das narrativas de mulheres às margens.

Insubmissive writing of history(s): epistemic crossings from the narratives of women on the margins

Escritura insumisiva de la(s) historia(s): cruces epistémicos de las narrativas de las mujeres en los márgenes

Flávia Pereira Machado

Downloads: 3
Views: 204

Resumo

As insurgências das/dos sujeitas/os às margens provocam movimentos contínuos e não lineares de questionamentos da matriz ocidental, branca, cisheteropatriarcal, eurocentrada, o que evidencia a necessidade da incorporação de epistemes, saberes, fazeres e conhecimentos até então denegados pela ciência moderna e pela produção acadêmica hegemônica nas universidades. Tais movimentos têm gerado um “transbordamento” acadêmico e político em direção a uma nova percepção da condição criativa que impulsiona os entrecruzamentos entre esses diversos campos do saber e das experiências marginalizadas.   Em vista dessa implosão dos cânones, a proposta do presente artigo incide em uma reflexão sobre os deslocamentos teóricos, epistemológicos e metodológicos na escrita da história, a partir da pesquisa com mulheres sem terra em Goiás.  Proponho, dessa maneira, realizar uma breve incursão na matriz histórica hegemônica no sentido de identificar algumas das iniciativas de incorporação dos e das sujeitos e sujeitas às margens, especificamente evidenciando a passagem de uma história das mulheres e das relações de gênero para uma perspectiva feminista, decolonial e interseccional. Ainda nesse ensejo, busco evidenciar como as intersecções de raça, classe, gênero, geração, desterramento, entre outros marcadores, que atravessam os corpos dessas mulheres às margens, provocam leituras e escritas insubmissas mediante esse cânone historiográfico e a produção acadêmico/científica ainda pautada na racionalidade ocidental.

Palavras-chave

Mulheres às margens; escrita da história; deslocamentos teóricos, epistemológicos e metodológicos.

Abstract

The insurgencies of the subjects on the margins provoke continuous and non-linear movements of questioning the Western, white, cisheteropatriarchal, Eurocentric matrix, which highlights the need to incorporate epistemes, knowledges, doings and knowledge hitherto denied by modern science and hegemonic academic production in universities. Such movements have generated an academic and political "overflow" towards a new perception of the creative condition that drives the intersections between these diverse fields of knowledge and marginalized experiences.   In view of this implosion of the canons, the purpose of this article is to reflect on the theoretical, epistemological and methodological dislocations in the writing of history, based on research with landless women in Goiás.  I propose, in this way, to make a brief incursion into the hegemonic historical matrix in order to identify some of the initiatives to incorporate the subjects and subjects on the margins, specifically highlighting the transition from a history of women and gender relations to a feminist, decolonial and intersectional perspective. Also in this context, I seek to highlight how the intersections of race, class, gender, generation, dispossession, among other markers, which cross through the bodies of these women on the margins, provoke readings and unsubmissive writings through this historiographical canon and the academic/scientific production still based on Western rationality. 

Keywords

women on the margins; writing history; theoretical, epistemological and methodological shifts.

Resumen

Las insurgencias de los sujetos en los márgenes provocan movimientos continuos y no lineales de cuestionamiento de la matriz occidental, blanca, cisheteropatriarcal y eurocéntrica, lo que pone de manifiesto la necesidad de incorporar epistemes, saberes, haceres y conocimientos hasta ahora negados por la ciencia moderna y la producción académica hegemónica en las universidades. Estos movimientos han generado un "desbordamiento" académico y político hacia una nueva percepción de la condición creativa que impulsa las intersecciones entre estos diversos campos del conocimiento y las experiencias marginadas.   Ante esta implosión de los cánones, el propósito de este artículo es reflexionar sobre las dislocaciones teóricas, epistemológicas y metodológicas en la escritura de la historia, a partir de una investigación con mujeres sin tierra en Goiás.  Propongo, de este modo, hacer una breve incursión en la matriz histórica hegemónica para identificar algunas de las iniciativas de incorporación de los sujetos y las sujetas en los márgenes, destacando específicamente el paso de una historia de las mujeres y las relaciones de género a una perspectiva feminista, decolonial e interseccional. También en este contexto, busco resaltar cómo las intersecciones de raza, clase, género, generación, desposesión, entre otros marcadores, que atraviesan los cuerpos de estas mujeres en los márgenes, provocan lecturas y escrituras insumisas a través de este canon historiográfico y de la producción académica/científica aún basada en la racionalidad occidental.  

Palabras clave

Mujeres en los márgenes; escrituras de la historia; cambios teóricos, epistemológicos y metodológicos.

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. (Col. Feminismos Plurais). 

BALLESTRINI, Luciana. “A América Latina e o giro decolonial”. Revista Brasileira de Ciência Políticia, nº 11, Brasília, maio-agosto de 2013, pp. 89-117. Disponível em https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/DxkN3kQ3XdYYPbwwXH55jhv/abstract/?lang=pt. Acesso em 20 ago. 2021.

BARROS, José D’Assunção. “As crises recentes da historiografia”. Diálogos, DHI/PPH, UEM, v. 14, n. 01, pp. 133-158, 2010. Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/3055/305526880006.pdf. Acesso em 20 ago. 2021

BURKE, Peter. “Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro”. In: BURKE, Peter. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, pp. 7-37. 

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro com não-ser como fundamento do ser. 2005. 339f. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, USP, São Paulo, 2005. 

CARVAJAL, Julieta Paredes. “Uma ruptura epistemológica com o feminismo ocidental”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020, pp. 193-204. 

CARVALHO, Marina Vieira de. “Prefácio – Femininos de(s)coloniais e a ampliação da imaginação epistemológica: diálogo entre saberes”. In: ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (org.). Escutas sensíveis, vozes potentes: diálogos com mulheres que nos transformam. Teresina: Cancioneiro, 2021, pp. 11-17. 

COLLINS, Patrícia Hill. “Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro”. Revista Sociedade e Estado, vol. 31, nº 01, pp. 99-127, janeiro/abril 2016. Disponível em https://www.scielo.br/j/se/a/MZ8tzzsGrvmFTKFqr6GLVMn/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 17 jul. 2021. 

CURIEL, Ochy. “Género, raza, sexualidad: debates contemporâneos”. In: Conferencia Magistral, em el marco de la especialización maestria de estúdios de la mujer. N1, 2011, Universidad Autónoma Metropolitana Xochimilco, México. Disponível em: http://www.urosario.edu.co/Subsitio/CatedradeEstudiosAfrocolombianos/Documentos/13-Ochy-Curiel—-Genero-raza-y-sexualidad-Debates-.pdf. Acesso em 25/07/2021

DESCARRIÈS, Francine. “Teorias feministas: liberação e solidariedade no plural”. Textos de História, vol. 8, nº 1, 2000. 

DIEHL, Aston Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. São Paulo: EDUSC, 2002. 

______. “Ideias de futuro no passado e cultura historiográfica da mudança”. História da historiografia, vol. 01, nº 01, agosto de 2008. Disponível em https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/issue/view/3. Acesso em 30 ago. 2021. 

D’SOUZA, Radha. “As prisões do conhecimento: pesquisa ativista e revolução na era da ‘globalização’”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, pp. 145-171.

DUSSEL, Enrique. “Meditações anticartesianas sobre a origem do antidiscurso filosófico da modernidade”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa Santos. MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, pp. 341-395. 

EVARISTO, Conceição. “A gente combinamos de não morrer”. In: Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas; Fundação Biblioteca Nacional, 2016, pp. 99-109. 

GATTAZ, André et al. “A história oral nos vãos da democracia”. In: GATTAZ, A. MEIHY, José Carlos B. SEAWRIGHT, Leandro (orgs.). História oral: a democracia de vozes. São Paulo: Pontocom, 2019, pp. 9-16.   

GONZALEZ, Lélia. “Por um feminismo afro-latino-americano”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020, pp. 38-51. 

HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, nº 05, pp. 07-41, 1995. Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773. Acesso em 17 jul. 2021. 

HOOKS, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2019 (Palavras Negras). 

______. “A teoria como prática libertadora”. In: Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2013, pp. 83-104. 

LOURO, Guacira Lopes. “A emergência do gênero”. In: LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. 16ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014, p. 18-40. 

LÖWY, Ilana. “Universalidade da ciência e conhecimentos ‘situados’”. Cadernos Pagu, nº 15, pp. 15-38, 2000. Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs /index.php /cadpagu /article/view/8635360. Acesso em 17/07/21. 

LUGONES, María. “Rumo a um feminismo descolonial”. Estudos Feministas, Florianópolis, vol. 22, nº 3, p. 935-952, setembro-dezembro/2014. Disponível em https://periodicos.ufsc .br/index.php/ref/article/view/36755. Acesso em 24/07/2021.

MALDONADO-TORRES, Nelson. “Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas”. In: BERNARDINO-COSTA, Joaze. MALDONADO-TORRES, Nelson. GROSFOGUEL, Ramón (orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018, pp. 27-53. 

MIÑOSO, Yuderkis Espinosa. “De por que és necessário un feminismo descolonial: diferenciación, dominación co-constitutiva de la modernidad occidental  y el fin de la política de identidade”. Solar, año 12, vol. 12, nº 01, Lima, 2016, pp. 141-171. Disponível em: http://revistasolar.org/wp-content/uploads/2017/07/9-De-por-qu%C3%A9-es-necesario-un-feminismo-descolonial...Yuderkys-Espinosa-Mi%C3%B1oso.pdf. Acesso em 20 ago. 2021.

MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. “Feminismos, epistemologia feminista e história das mulheres: leituras cruzadas”. OPSIS, 15(2), 316-329, 2015. Disponível em Disponível em https://www.revistas.ufg.br/Opsis/article/view/34189#.W6aPBmhKjIU. Acesso em 10 jun. 2021.

NASCIMENTO, Beatriz. “Por uma história do homem negro”. In: RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Instituto Kuanza; Imprensa Oficial, 2006, pp. 93-98. 

PEREIRA, Ana Carolina Barbosa. “Precisamos falar do lugar epistêmico na Teoria da História”. Tempo & Argumento, Florianópolis, vo. 10, n. 24, pp. 88-114, abr/jun. 2018. Disponível em https://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180310242 0180 88/8521. Acesso em 30 jul. 2021

PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Nós, 2017. 

QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder e classificação social”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, pp. 84-130.  

ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. “Apresentação”. In: ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (org.). Escutas sensíveis, vozes potentes: diálogos como mulheres que nos transformam. Teresina: Cancioneiro, 2021, pp. 17-24.

RÜSEN, Jörn. “Como dar sentido ao passado: questões relevantes de meta-história”. História da historiografia, nº 02, março de 2009, pp. 163-209. Disponível em http://www.joern-ruesen.de/5.213_How_to_make_sense_brasilianisch.pdf. Acesso em 30/07/2021. 

SANTOS, Boaventura de Sousa. “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, p. 31-83.

SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil para análise histórica”. Educação & Realidade, vol. 15, nº 2, jul./dez. 1990. Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/18505 8/mod_resource/content/2/G%C3%AAnero-Joan%20Scott.pdf. Acesso em 20 jun. 2021. 

SHARPE, Jim. “A história vista de baixo”. In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp. 1992, pp.  39-61. 

SILVA, Karine de Souza. “Prefácio: Insurgências contra-coloniais e amefricanização da universidade”. In: MORTARI, Claudia. WITTMAN, Luisa (orgs.). Narrativas insurgentes: decolonizando conhecimentos e entrelaçando mundos. Florianópolis: Rocha Gráfica e Editora, 2020, pp. 9-18 (Selo Nyota, Col. Aya, vol. 1).  

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: UFMG, 2010.

VEIGA, Ana Maria. “Uma virada epistêmica feminista (negra): conceitos e debates”. Tempo & Argumento, Florianópolis, v. 12, n. 29, jan./abr. 2020. Disponível em https://revistas.ude sc.br index.php/tempo/article/view/2175180312292020e0101. Aceso em 31 ago. 2021. 


Submetido em:
31/08/2021

Aceito em:
25/09/2021

Publicado em:
15/12/2021

61b9db13a9539507380ff2a6 revistaanomalas Articles
Links & Downloads

RAL

Share this page
Page Sections